Capacite-se e desafie o seu diálogo interno autocrítico


Quando as vozes na sua cabeça são tudo menos benéficas: quando te colocam pra baixo, quando promovem a negatividade gratuita, quando lhe tiram a energia, motivação e esperança. Quem está permitindo e alimentando essas verbalizações? Sim, a resposta é essa mesmo que lhe passou na mente, você mesmo. Quando a autocrítica se torna cortante, depreciativa e estabelece uma linha constante de derrotismo e miserabilismo, certamente você está na linha da frente para sofrer os danos colaterais.

  • “Fracassado!”
  • “Fiz tudo errado de novo! ”
  • ”Já deveria saber que sou assim, faço sempre besteira!”

Soa familiar? Se sim, tem tudo a ver com aquela voz mesquinha na sua cabeça. Aquela voz insidiosa que foi crescendo, que foi tomando vida própria e que agora comanda os seus pensamentos, as suas atitudes e comportamentos. Minou a sua a autoconfiança, derrotou a sua autoestima, e fez com que o mundo parecesse um lugar cinzento. Talvez o seu cenário nem seja tão catastrófico como o que acabei de descrever. Mas, eventualmente na grande maioria dos dias e em algumas áreas da sua vida você se identifique um pouco com os exemplos anteriores. Se sim, está na hora de ponderar fazer alguma coisa para melhorar, e reprogramar a sua voz interior no sentido de torná-la num aliado vantajoso para a sua vida.

OS COMENTÁRIOS DA MENTE
Todos temos vozes dentro das nossas cabeças comentando momento a momento sobre as nossas experiências, a qualidade das nossas decisões do passado, erros que poderíamos ter evitado, e o que deveríamos ter feito de forma diferente. Para algumas pessoas, essas vozes são realmente dilacerantes e fazem com que uma situação ruim fique infinitamente pior. Ao invés de termos empatia com o nosso sofrimento, o diálogo interno autocrítico, nos denigre, e nos coloca para baixo em cada oportunidade. As vozes são frequentemente muito incendiárias, têm uma ligação familiar com a negatividade e transmitem uma urgência emocional que exige a nossa atenção. Estas vozes são automáticas, baseadas no medo acerca das “regras para viver“ que agem como provocadores interiores, nos mantendo presos nos mesmos ciclos antigos e prejudicando a nossa satisfação espontânea da vida e a nossa capacidade de viver e amar livremente.

DE ONDE VEM ESSAS VOZES?
As vozes depreciativas que ecoam na nossa cabeça são fruto das nossas experiências de vida. Começam a se enraizar em padrões automáticos de resposta às situações de vida. O que as torna na grande maioria das vezes prejudiciais, é que essas vozes vão ficando dissociadas dos eventos que as fizeram emergir. As vozes pertencem ao passado, foram criadas e fortificadas redes neuronais armazenadas no nosso cérebro que ecoam no momento presente. Provavelmente no passado até pode ter existido justificação para algumas dessas vozes, dessas crenças e ideias acerca de si mesmo e das suas capacidades e habilidades.

Eventualmente, algumas dessas vozes remontam à infância e adolescência, à nossa educação, firmam-se na forma como vimos os nossos educadores a lidarem com as situações. Segundo Albert Bandura, uma das formas de aprendizagem é a aprendizagem por observação, mais conhecida no mundo da psicologia por aprendizagem vicariante. Este tipo de aprendizagem é baseado na observação de um modelo ou modelos. Os nossos pais e familiares são normalmente os modelos principais em tenra idade, e sem dúvida estabelecem uma forte influência na nossa forma de pensar e olhar o mundo.

Algumas dessas vozes faziam sentido e nos ajudaram a sobreviver quando éramos crianças indefesas, à mercê dos humores dos nossos pais, caprichos, e conflitos psicológicos. No entanto podem não ser as mais adequadas na nossa vida como adultos. Como adultos, temos mais capacidade de nos afastar de situações insalubres e fazer escolhas conscientes sobre as nossas vidas e relacionamentos, com base nos nossos próprios sentimentos, necessidades e interesses. No entanto, em muitos casos, estamos tão acostumados a viver por essas regras internas não declaradas explicitamente que nem sequer as notamos ou questionamos. E, inconscientemente tendemos a distorcer a visão das coisas para que o diálogo interno autocrítico pareça ser necessário e verdadeiro.

É como se ficássemos com a ”Síndrome de Estocolmo“, como se fossemos prisioneiros que nos unimos e que ganhamos estima pelos nossos sequestradores.

O QUE ACONTECE QUANDO OS COMENTÁRIOS AUTO DEPRECIATIVOS TOMAM CONTA DA NOSSA VIDA?

Se deixados sem controle, os comentários auto depreciativos que ecoam na nossa cabeça vão tomar conta da nossa vida e nos manter presos em padrões mentais e comportamentais criados por nós mesmos. O diálogo interno autocrítico funciona como um agressor, nos assustando e nos levando a acreditar que o mundo é perigoso, e que é preciso obedecer as suas regras para viver, a fim de sobreviver e evitar a dor. Seguindo estas regras, nós não nos permitimos adaptar as nossas respostas às experiências que vão acontecendo na nossa vida. Os nossos comportamentos e respostas emocionais se tornam mais um reflexo da realidade do passado do que daquilo que está acontecendo hoje. De forma subconsciente não conseguimos escapar às memórias e experiências do passado.

A ABORDAGEM TERAPÊUTICA DOS “ESQUEMAS”
O psicólogo Jeffrey Young e seus colegas chamam a estas regras rígidas de vida e visões de mundo promovidas pelos comentários auto depreciativos na nossa cabeça, de “esquemas“. Com base em nossas primeiras experiências com os cuidadores, os esquemas contêm informações sobre as nossas próprias habilidades para sobreviver de forma independente, como os outros nos tratam, que resultados julgamos merecer na vida, e quão seguro ou perigoso nos parece ser o mundo.

Jeffrey Young sugere que os esquemas negativos limitam as nossas vidas e relacionamentos de várias maneiras:

1. Nós nos comportamos de maneira a mantê-los.

2. Nós interpretamos as nossas experiências de forma a torná-los ou a parecerem verdadeiros, mesmo que realmente não sejam.

3. Nos esforços para evitar a dor, nós restringimos as nossas vidas, e consequentemente nunca chegamos a testar a veracidade dos esquemas.

4. Às vezes, como forma de compensar a rigidez dos esquemas, agimos com formas de oposição que interferem com os nossos relacionamentos.

O ESQUEMA DE CULPA, EXIGÊNCIA E AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO DE TERESA
Uma mulher a quem chamaremos de Teresa desenvolveu um esquema de “culpa, exigência e auto-responsabilização”. O pai da Teresa era um típico militar, rígido, distante, sombrio, duro nas regras e incapaz de dar elogios. Durante a infância, Teresa comungou com a exigência desmedida de seu pai. Quando tinha boas notas, a ideia que foi construindo era a de que não fazia nada de extraordinário a não ser o que lhe competia. Quando algo ia mal, fazia alguma besteira comum de criança, o pai passava a mensagem que era por falta de empenho ou negligência. O sentimento de culpa de não conseguir fazer algumas coisas como o pai esperava pairava sempre sobre a sua cabeça.

Uma vez que Teresa foi solidificando este esquema, ela tornou-se muito sensível ao erro e à falha, se culpando e se punindo sempre que as suas expectativas não se concretizavam. Quando adulta, arranjou um parceiro e por força das circunstâncias as coisas correram mal, ela assumiu a responsabilidade do insucesso da relação. Julgando-se incapaz para gerir um relacionamento por defeitos seus.

Teresa progrediu, formou-se, e conseguiu destaque na sua área profissional. No entanto, jamais se vangloriava pelos seus feitos, achava sempre que deveria fazer melhor, e nunca sentia o sabor da vitória. É claro que este esquema com o passar do tempo torna-se um fardo pesado. A pessoa adota uma postura muito rígida consigo própria, se pune e se deprecia sempre que algo não acontece como desejado. Tornou-se exageradamente perfeccionista, não deixando margem para a descontração.

Com as sucessivas percepções de fracasso (criadas ilusoriamente pelos esquemas da Teresa), apesar do seu sucesso profissional, ela era uma mulher infeliz. Apontei para o passado, porque felizmente a Teresa ultrapassou a negatividade dos seus esquemas negativos, e passou a olhar a vida por uma perspectiva positiva.

O QUE PODE SER FEITO?
A Terapia dos esquemas conseguiu ser eficaz com a Teresa. Ela conseguiu entender que a sua infelicidade e crítica cortante a si mesma, era o resultado de velhos esquemas que apontavam para formas de se relacionar consigo mesma, com os outros e com o mundo em geral de forma automática, rígida e disfuncional. Ao reconhecer e conectar-se com empatia à sua exigência, auto culpa e responsabilidade desmedida, Teresa conseguiu tornar-se mais flexível e descontraída, e consequentemente mais feliz.

A terapia focada nos esquemas é considerada um acréscimo à Terapia Cognitivo-comportamental. É bastante eficaz na desconstrução do diálogo interno negativo, e na consequente reprogramação de um diálogo interno assertivo e adequado à realidade que a pessoa vive no presente.

Estas terapias podem ajudar a recuperar os casais com conflitos e problemas individuais, tais como ansiedade, depressão, transtornos de personalidade, sofrimento e trauma de infância. O conceito de esquema nos ajuda a entender como os eventos passados continuam a influenciar as relações atuais, assim como os problemas psicológicos que se enfrentam. Precisamos reconhecer a sua influência, prestar atenção ao que as nossas vozes interiores automáticas estão dizendo, e (com a ajuda profissional, se necessário), começarmos a nos libertar das suas garras.



Fonte: escolapsicologia (adaptado)

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